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A Chegada (Il Arrivo)
Imigrar é chegar em outro país, com o objetivo de ali se estabelecer. É criar novos laços, aprender outra língua, vivenciar hábitos e costumes diferentes dos seus. É sentir-se estranho no que antes lhe era familiar. É reinventar-se, mas também preservar algo de si. É pertencer a dois lugares: o da chegada e o da partida.
BRASIL, século XIX.
Ao longo do século XIX, o governo imperial procurou atrair imigrantes para o Brasil com o objetivo de promover a colonização dos territórios considerados despovoados, mas que muitas vezes eram ocupados por povos indígenas e quilombolas. Tais territórios foram gradualmente transformados em núcleos coloniais cujos lotes eram demarcados e concedidos, sobretudo aos imigrantes europeus. Diante da possibilidade de tornarem-se pequenos proprietários dedicados à agricultura familiar, milhões de imigrantes optaram por vir para o Brasil.
VASCONCELLOS, 1884, p. 6. Acervo Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin - PRCEU/USP.
Após a proibição do tráfico transatlântico de africanos, em 1850, e posteriormente com a promulgação da Lei do Ventre Livre, em 1871, o governo imperial buscou substituir a mão de obra escrava por trabalhadores europeus. As grandes fazendas, principalmente as produtoras de café, passaram então a receber cada vez mais imigrantes.
Imigrantes na colheita de café. Acervo do Museu da Imigração do Estado de São Paulo.
Muitos políticos e intelectuais brasileiros, apoiados nas teorias raciais do período, acreditavam que os imigrantes europeus eram superiores à população negra e mestiça. Esses homens defendiam a vinda de trabalhadores brancos como meio para o Brasil alcançar a civilização e o progresso.
Assim, entre os anos 1870 e 1920, chegaram ao Brasil cerca de 3,3 milhões de imigrantes. Os italianos corresponderam a 42% do total, ou seja, algo em torno de 1,4 milhões de indivíduos (GOMES, 2007, p. 161).
Distribuição dos imigrantes italianos no Brasil (1870-1920)
Províncias/ Estados
Total
São Paulo
1.200.000
Rio Grande do Sul
100.000
Minas Gerais
60.000
Espírito Santo
25.000
Santa Catarina
25.000
Paraná
20.000
Fonte: Mazutti, 2009.
Apesar de receber uma quantidade menor de italianos, o Rio de Janeiro foi um importante local de destino deste grupo étnico. A cidade do Rio de Janeiro atraiu milhares de italianos que inicialmente se dirigiram para outras localidades, mas acabaram optando em vir para a então capital do país em busca de emprego na área urbana. De acordo com dados do IBGE, nos primeiros anos do século XX, os italianos foram o segundo maior grupo de estrangeiros no Rio de Janeiro, atrás apenas dos portugueses. Em 1901, havia cerca de 30 mil deles na cidade (TRENTO, 1989, p. 102-103).
Mercado Municipal do Rio de Janeiro, também conhecido como Praça XV de Novembro. 11/09/1911. Foto: Augusto Malta. Coleção Gilberto Ferrez. Acervo Instituto Moreira Salles.
Pascoal Chinelli, dono da Casa de Bonsucesso com sua carrocinha de frutas em Copacabana. Muitos italianos trabalhavam com frutas, inclusive no antigo Mercado da Praça XV. Década de 1950. Fonte: Gomes (2007, p. 173).
Na cidade do Rio de Janeiro, os italianos trabalhavam, em sua maioria, como vendedores ambulantes. Havia também muitos alfaiates, sapateiros, barbeiros, pedreiros, carpinteiros, hoteleiros e garçons. Além disso, constituíram um grupo importante nas bancas e distribuidoras de jornais.
Inicialmente, ocupavam os cortiços localizados na área central da cidade devido à proximidade com os locais de trabalho. Com o projeto de reurbanização do Rio de Janeiro, muitos deslocaram-se para as zonas Norte e Oeste da cidade, sobretudo para bairros que cresciam à margem das linhas férreas, como Andaraí, Irajá, Inhaúma, Campo Grande, Guaratiba e Santa Cruz.
Outras cidades do estado do Rio de Janeiro também receberam um número expressivo de italianos. No censo de 1920 registraram-se 40 municípios com imigrantes desta nacionalidade, sendo a maior concentração na Região Serrana (2.973), no Noroeste fluminense (2.006) e na Região Metropolitana (1.328).
NESI
Ércole Nesi chegou à cidade do Rio de Janeiro em 1951. Trabalhou no Mercado Municipal da Praça XV junto com seu pai, Vittorio Nesi, até este retornar para a Itália por volta de 1953-1954. Sozinho no Brasil, Ércole morou em uma pensão na Rua Primeiro de Março, cuja dona também era italiana. A pensão era uma importante rede de sociabilidade entre os imigrantes italianos, contribuindo para a manutenção dos seus costumes italianos. Na pensão, Ércole conheceu Modestina com quem se casou, em 1961, e teve duas filhas: Elvira e Valéria. Após o casamento, Ércole e Modestina mudaram-se para Niterói, cidade vizinha ao Rio de Janeiro. Todos os dias pegava a barca e ia para o Rio de Janeiro abastecer seu carrinho de frutas. Regressava para Niterói para atender a sua freguesia na praça Araribóia e nas ruas da Conceição e Coronel Gomes Machado. Além de atuar no comércio, Ércole trabalhou como alfaiate, ofício que aprendeu ainda na infância; como motorista nas empresas Coca-Cola, Brahma e General Eletric; como fotógrafo e como boxeador, no Clube Vasco da Gama.
Ércole Nesi trabalhando como alfaiate no Rio de Janeiro. Década de 1950. Acervo Ércole Nesi.
Ércole Nesi, à direita, como boxeador profissional pelo Vasco da Gama. Rio de Janeiro, 1958. Acervo Ércole Nesi.
Ércole Nesi como Papai Noel na General Electric, fábrica onde foi funcionário. Rio de Janeiro, década de 1970. Acervo Ércole Nesi.
MANTUANO
Em 1847, Ottavio chegou ao Brasil após deixar a mulher e os filhos na Itália. Inicialmente, Ottavio estabeleceu-se na casa do irmão, no bairro carioca de Cascadura. Empregou-se como jornaleiro, juntou economias e chamou sua família para o Brasil. Em 1954, a família se reuniu novamente com a chegada de Concetta Mannarino Mantuano e seus cinco filhos: Francesca, Lucia, Teresina, Pina e Aldo.
Em 1959, Francesca Mantuano casou-se com Benedetto Bosco, filho de italianos, que trabalhava no setor alimentício. Benedetto encontrou em São Gonçalo a oportunidade de abrir o seu próprio restaurante, mudando-se com a família para o bairro de Alcântara. Em 1992, Benedetto faleceu. Francesca reside no mesmo local até os dias de hoje.
Concetta e Ottavio Mantuano junto de seus oito filhos. Jacarepaguá/RJ. 1979. Acervo da família Mantuano.
Casamento de Francesca e Benedetto. Nilopólis/RJ. 21 de março de 1959. Acervo da família Mantuano.
REGIÃO METROPOLITANA
Municípios como Niterói e São Gonçalo tornaram-se uma opção viável para a imigração italiana devido à proximidade com a cidade do Rio de Janeiro. A forte presença italiana nessas cidades data desde finais do século XIX, mas também se deu no contexto pós Segunda Guerra Mundial, em que a Itália e os demais países que sofreram os abalos do conflito armado se encontravam em difícil situação econômica e social.
Os imigrantes italianos que se fixaram nas cidades de São Gonçalo e Niterói possuem não apenas a nacionalidade em comum, algumas vezes compartilham a região de origem. É assim que observamos, em ambas as cidades, italianos provenientes do sul da Itália. Em Niterói, por exemplo, destacam-se algumas cidades como Fuscaldo, Paola e Sacco, todas da região da Calábria. No processo de desenraizamento e reconstrução de identidades, a solidariedade construída era, no mais das vezes, pela partilha das condições de vida. Por vezes, as origens étnicas e geográficas se fizeram presentes, possibilitando também o pequeno associativismo nacional presente na cidade.
Através dos depoimentos familiares, é possível saber a importância das redes de sociabilidades, como a comunidade de jornaleiros em Niterói e as associações, como o Clube Italiano e a Associação Beneficente Italiana (ABITA), foram fundamentais para garantir a adaptação e reestruturação familiar e econômica desses indivíduos em terras brasileiras. Os casamentos dentro da própria comunidade entre italianos ou descendentes de italianos também são estratégias importantes que ressaltam a importância dessas redes para a reprodução de uma “pequena Itália no Brasil”.
Fundação da Associação Beneficente Italiana (ABITA), na Câmara de Vereadores de Niterói em 1991. Ao centro, Eduardo Scovino, então o mais antigo jornaleiro da cidade. Fonte: Gomes (1999).
Mesmo para aqueles que chegavam ao país sem qualquer tipo de vínculo familiar ou afetivo, as relações com outros italianos eram estabelecidas quando chegavam aqui. As pensões, por exemplo, muitas vezes hospedavam apenas italianos e isso se tornava uma rede de sociabilidade importante para a preservação de laços afetivos e culturais com a terra natal, dando origem até mesmo a casamentos entre italianos ou descendentes.
São Gonçalo e Niterói também possuíam algumas possibilidades de inserção no mercado de trabalho, tanto nas áreas rurais quanto no meio urbano. Em Niterói, destacavam-se os ofícios de jornaleiro e engraxate, que se tornaram marcas da presença italiana na cidade.
À direita, o Sr. Carmelo Ciambarela, em uma das bancas de jornal onde trabalhou, em Niterói. Fonte: Gomes (1999).
Seu Pietro Polizzo, na banca do Ponto Cém Réis, onde trabalhava quando veio para Niterói, em 1951. Fonte: Gomes (1999).
Família Mônaco reunida na Câmara Municipal de Niterói. Da esquerda para a direita: Francisca Totino Mônaco (mãe); Carlos Mônaco; Léa Coutinho Mônaco (esposa); Gabriela Mônaco de Azevedo (neta); Soraya Coutinho Mônaco (filha); Phillipe Mônaco de Azevedo (neto) e Carlos Cesar Coutinho Mônaco (filho). Niterói, 10 de março de 1999. Fonte: Gomes (1999).
Carlos Mônaco, na Livraria Ideal da rua Visconde de Itaboraí, em 1997. Fonte: Gomes (1999).
Vicente Figlino, ao centro, em cena de La Traviatta, no Teatro Municipal de Niterói. Fonte: Gomes (1999).
NARRETTI
Em 1958, Antonio Narretti chegou ao Rio de Janeiro, sendo recebido na Hospedaria de Imigrantes da Ilha das Flores. Ao deixar a hospedaria, Antonio morou em uma pensão cujos donos eram italianos, localizada no Centro de Niterói. Lá conheceu Marli Vilela, neta dos donos da pensão. Quatro anos depois, casaram-se na Catedral de São João Batista e foram morar em um sobrado na rua São João. Antonio e Marli tiveram uma única filha: Denise.
No Brasil, Antonio trabalhou como torneiro mecânico da empresa Braston. Especializou-se como desenhista projetista e atuou no Estaleiro Mauá e na construção da hidrelétrica de Itaipu. Retornou algumas vezes para a Itália apenas para visitar a família.
Casamento de Antonio e Marli Narretti na Catedral São João Batista. Niterói, 1962. Acervo da família Narretti.
Antonio e Marli Narretti com sua única filha Denise, em sua casa. Niterói. Década de 1970. Acervo da família Narretti.
Após trabalhar como torneiro mecânico, primeira profissão de Antonio Narretti em Niterói, tornou-se projetista industrial. Escritório de trabalho. Acervo da família Narretti.
Telegrama vindo da Itália com informações da mãe de Antonio a ele endereçada quando residia em Niterói. 1971. Acervo da família Narretti.
PETRAGLIA
A família Petraglia emigrou da cidade de Sacco, na província de Salerno, sul da Itália. Os pais, Antônio Petraglia e Sofia Pirrone, tiveram cinco filhos, os três mais velhos nascidos na Itália e os dois últimos no Brasil. Antônio migrou primeiro sozinho e se estabeleceu em Niterói, na Rua da Conceição, onde trabalhava como engraxate. Sua esposa e seus filhos vieram, em 1955. Um dos seus filhos, Vito começou a vida profissional como engraxate, seguindo o caminho do pai, e posteriormente abriu um bar. Vito conheceu Angelina através do pai dela, que também era italiano. Os dois namoraram por correspondência e se casaram em 1965, por meio de procuração. Logo depois, Angelina veio para o Brasil. Tiveram três filhos: Giuseppe, Ana Sofia e Pietro Domênico. Pietro Domênico preserva suas origens italianas até hoje, através da revista Comunità Italiana, cuja sede está localizada na Rua São Sebastião, no centro de Niterói.
Passaporte de Vito Petraglia. 24 de janeiro de 1955. Acervo Pietro Petraglia.
Família Petraglia: Vito, Angelina e seus dois primeiros filhos. Fonte: Gomes (1999).
Em São Gonçalo, também se destacavam as atividades ligadas à indústria devido ao desenvolvimento deste ramo da cidade durante as décadas de 1940 a 1960, como a produção de cerâmica.
Cerâmica Fattori localizada em Neves. Pertencia ao imigrante italiano Felipe Fattori. 1937. Imagem cedida por Osmany Marraschi. Acervo Centro de Memória da Imigração da Ilha das Flores.
Os bairros marcados pela atividade operária, como Neves, concentraram alguns italianos, incluindo na construção do primeiro cinema da cidade, no mesmo bairro.
Cinema Neves (cinema mudo). Sentados no centro da foto Arlindo Baltar à esquerda e Gabriel Marraschi à direita. Imagem cedida por Osmany Marraschi. Acervo Centro de Memória da Imigração da Ilha das Flores.
Cinema Paraíso, propriedade de Gabriel Marraschi. 1939. Imagem cedida por Osmany Marraschi. Acervo Centro de Memória da Imigração da Ilha das Flores.
Interior do Cinema Paraíso, propriedade de Gabriel Marraschi. 1939. Imagem cedida por Osmany Marraschi. Acervo Centro de Memória da Imigração da Ilha das Flores.
O prestígio adquirido resultava, ainda, na projeção na vida política da cidade, como o caso da família Nanci.
Seja qual for o motivo, para muitos imigrantes a cidade de São Gonçalo passou a ser sua casa adotiva, onde recomeçaram suas vidas e criaram novos laços afetivos. Sem esquecer suas origens, em São Gonçalo, imigrantes reinventam-se, constituem família, adaptam os seus costumes, contribuindo para a construção de um município e de um Brasil diverso.
NANCI
Na década de 1890, os irmãos Giuseppe Maria Nanci e Ângelo Nanci emigraram da Itália em busca de uma nova vida no Brasil. No navio que seguia em direção a São Paulo, Giuseppe conheceu Clélia Casemiro. Ambos se estabeleceram no município de Barra Bonita, trabalhando em uma fazenda. Alguns anos depois, Giuseppe e Clélia casaram-se e tiveram 11 filhos.
No final da década de 1910, Giuseppe enviou seu filho mais velho, Thomaz, para o Rio de Janeiro em busca de terras para o estabelecimento de uma olaria. Thomaz comprou terras na região conhecida como Barro Vermelho, município de São Gonçalo, onde a família instalou a olaria Nova Esperança e fixou residência. A prosperidade dos negócios possibilitou à família Nanci enraizar-se na cidade e diversificar seus investimentos. Foram construídos na cidade três cinemas (Cinema Nanci, no Rodo de São Gonçalo, Cinema Santa Maria, no bairro de Neves, e Cine São José, no Centro da cidade) e um hospital, a Casa de Saúde São José.
A inserção no universo político se iniciou com Aécio Nanci, nomeado prefeito do município de São Gonçalo entre 22 de dezembro de 1946 e 4 de fevereiro de 1947, além de ter atuado por cinco legislaturas como deputado estadual. Em 1966, Aécio Nanci homenageou sua mãe, Clélia Nanci, ao inaugurar um instituto de educação do município com o nome dela.
José Maria, Aécio Nanci e Aécio Nanci Junior em evento no Cinema Nanci, Centro de São Gonçalo. Década de 1960. Acervo da família Nanci.
Aécio Nanci, Justiniano Pereira de Faria e Joaquim Lavoura, encontro de líderes políticos na região do Zé Garoto em São Gonçalo. Década de 1960. Acervo da família Nanci.
Título de sócio proprietário de Luiz Nanci do Tamoio Futebol Clube, em São Gonçalo. 01 de dezembro de 1946. Acervo da família Nanci.
MARRASCHI
Em 31 de janeiro de 1898, o casal Antônio e Ermelinda Marraschi chegaram ao Rio de Janeiro, acompanhados por seu filho Gabriel e pelo irmão de Antônio, Boaventura. Ficaram alguns dias na Hospedaria de Imigrantes da Ilha das Flores até arrumar emprego em uma fazenda no bairro de Guaxindiba, no município de São Gonçalo, onde Antônio chegou a ocupar a função de administrador. No Brasil, tiveram mais sete filhos: Filomena, Clara, Carlos, Pedro, Isaías, Olívia e Rosalinda, todos nascidos em São Gonçalo.
Na década de 1940, a família comprou uma cerâmica em Monte Formoso, no bairro de Monjolos. Gabriel Marraschi trabalhou na fábrica de cerâmica e também foi um dos fundadores do primeiro cinema de São Gonçalo, construído em Neves. Após a venda da fazenda em Guaxindiba para a companhia de cimento Mauá, os Marraschi foram indenizados e compraram uma propriedade na Covanca, bairro onde até hoje residem os descendentes da família.
Gabriel Marraschi na fábrica de cerâmica Monte Formoso, em Monjolos. Década de 1940. Acervo da família Marraschi.
Em 1944, um dos filhos, Antonio Marraschi, retornou à Itália como pracinha para lutar contra o fascismo durante a Segunda Guerra Mundial. Após a guerra, retornou ao Brasil.
Antônio Marraschi. Acervo da família Marraschi.
Pracinhas do 3º Regimento de Infantaria do Exército brasileiro que lutaram na Segunda Guerra Mundial. Itália, década de 1940. Acervo da família Marraschi.
LUCA
No Brasil, Elvídio de Luca se estabeleceu na cidade de São Gonçalo, onde residia uma tia de sua esposa Celestina. Em 1858, ano seguinte à sua chegada, mandou chamar Celestina e seu filho Angioletto, com apenas 1 ano de idade. Aqui tiveram mais uma filha, Ângela Maria Guerrieri de Luca. Elvídio trabalhou como engraxate e, posteriormente, como funcionário de uma fábrica de móveis, até sua mulher abrir uma mercearia no bairro Brasilândia, em São Gonçalo. Para complementar a renda da família, Celestina lavava e costurava para fora. Os descendentes da família Luca permanecem no município até os dias de hoje, mantendo viva a memória familiar.
Celestina e Angioletto de Luca. Itália, 1958. Acervo da família Luca.
Elvídio atendendo cliente em seu bar. São Gonçalo, década de 1980. Acervo da família Luca.
Família Luca celebrando o 15º aniversário de Thais de Luca. São Gonçalo, 2010. Acervo da família Luca.
NOROESTE FLUMINENSE
No final do século XIX, quando o Noroeste fluminense despontava como uma importante região cafeeira, imigrantes italianos se estabeleceram na localidade, dedicando-se principalmente às atividades agrícolas.
“Com a abolição da escravatura sentiram a falta de braços então os proprietários daqui como Eloi Vieira, Francisco Nunes de Morais, João Carlos Machado, o Major Balbino França foram ao presidente da República e o presidente acolheu muito bem o pedido deles”.
Depoimento de E. Gorini concedido à Rosane Bartholazzi. Varre-Sai/RJ, 2000 (BARTHOLAZZI, 2013, p. 142)
Os cafeicultores reivindicaram mão-de-obra para as suas lavouras e foram atendidos com imigrantes europeus, sobretudo italianos. Pouco tempo depois, Itaperuna converteu-se no maior município produtor de café do país (IBGE, 1920, p. 23).
Itaperuna foi o segundo município do Estado do Rio de Janeiro que mais recebeu imigrantes italianos (1.025), ficando atrás apenas de Petrópolis (1.554). Somente a fazenda Bela Vista, recebeu, entre 1897 e 1898, aproximadamente 40 famílias italianas.
Na Fazenda Bela Vista, os imigrantes eram incumbidos de manter limpas as áreas cafeeiras em troca de uma quantia em dinheiro correspondente a área sob seus cuidados, além de moradia, água, lenha e pasto para um ou dois animais. Entre os cafezais novos era permitida a agricultura de subsistência.
“A chegada dos italianos à Bela Vista foi um acontecimento emblemático para a região. Era o ‘clímax’ das conversas e da convivência na zona rural. Todos queriam saber quem eram estrangeiros com roupas coloridas, lembrando toalhas de praia ou colchas de retalhos, trabalhando nas lavouras como mouros festivos contando uma bela canção que denominavam Tarantela”.
Depoimento de Francelino França concedido à Rosane Bartholazzi. Natividade, 2001 e 2005 (BARTHOLAZZI, 2013, p. 154)
A Tarantela é uma canção da região sul da Itália. No entanto, os italianos da Fazenda Boa Vista eram provenientes da região do Lácio. Eles vieram de Proceno e Graffignano e mantiveram-se juntos no Brasil. Falavam diferentes dialetos, recorrendo à língua oficial italiana para superar as dificuldades de compreensão dos seus compatriotas. Já a comunicação com os brasileiros se fazia, muitas vezes, através de sinais.
“Minha avó dizia que vinham ao armazém da fazenda fazer compra, todos eles vinham com um porrete que servia para apontar o que queriam na prateleira, já que não entendiam nada de português e vice-versa”.
Depoimento de Miguel Paolante concedido à Rosane Bartholazzi. Varre-Sai/RJ. 2006 (BARTHOLAZZI, 2013, p. 155)
Toucinho, Fubá, barbante, corda de linho, agulhas, rapaduras, arame farpado, medicamento, salitre e enxofre eram os itens mais comprados pelos italianos, de acordo com o registro contábil da fazenda.
Depois de alguns anos trabalhando na fazenda, as famílias italianas compraram propriedades. Alguns tornaram-se sitiantes nas áreas rurais, outros tornaram-se comerciantes no centro da vila.
“Noventa por cento conseguiram comprar terra e outros vieram para o comércio. Sr. Demetrio Pellegrini comprou um sítio que está com a família dele até hoje. Os Grillo compraram terra. Os Pulitini vieram para o comércio. Meu avô Ludovico Gorini comprou terra e um hotel onde hoje é a casa do neto dele. Onde é a prefeitura era uma grande loja dos Geovanini. A casa onde é a Casa da Cultura foi, também, do Sr. Pergente Geovanini e tinha máquina de café que era dos Pellegrini. As adegas dos Pirozzi, Ridolfi e Bendia”.
Depoimento de E. Gorini concedido à Rosane Bartholazzi. Varre-Sai/RJ, 2000 (BARTHOLAZZI, 2013, p. 168)
Ao saírem da fazenda Boa Vista os italianos não se dispersaram, buscaram ficar próximos uns dos outros, tanto no centro da vila quanto no campo, formando uma rede de relações sociais.
No campo, os italianos diversificaram a produção. Além de desenvolver a agricultura de subsistência, passaram a cultivar jabuticaba para produção do famoso vinho de jabuticaba.
Apresentação de dança das famílias italianas no Festival do Vinho de Varre-Sai. Foto: Silane Terra. Fonte: Prefeitura de Varre-Sai.
No centro da vila, os italianos abriram padarias, lojas de tecido, hotéis e uma casa de cultura, que contava com cinema mudo e sala de reunião para ensaios da banda Lira Santa Cecília.
“A Lira Santa Cecília, fundada em 22 de novembro de 1917, na vila de Varre-Sai, Estado do Rio de Janeiro, onde tem sua sede provisória, é uma Organização Musical de duração indeterminada com exclusiva finalidade de aceitar convites para tocar mediante condições monetárias previamente convencionadas em festas cívicas e religiosas, bem como retretas públicas em qualquer localidade.”
(Ata de reuniões da Lira Santa Cecília. Varre-Sai, 1954. Arquivo da Sede da Lira)
O Noroeste Fluminense possuía ainda importantes lavouras canavieiras e usinas de açúcar, que atraíram muitos imigrantes italianos, como a família Righi.
RIGHI
O primeiro destino da família Righi era São Paulo, para trabalharem em uma fazenda cafeeira. Entretanto, durante a viagem, houve uma perda de documentos e a família foi direcionada para o Rio de Janeiro, de onde seguiram para Laranjais, em Itaocara. Lá existia uma usina de açúcar chamada Engenho Central onde trabalharam com serviços braçais. No Brasil, tiveram mais sete filhos. Em 14 de maio de 1914, Ermínia Barbiere veio a falecer com apenas 36 anos. Dante Righi morreu anos depois, em 06 de setembro de 1955, também no Engenho Central.
Engenho de açúcar onde a família Righi se estabeleceu em Itaocara. Acervo da família Righi.
Dante Righi, patriarca da família, trabalhando no Engenho em Itaocara. Acervo da família Righi.
REGIÃO SERRANA
A presença italiana em Petrópolis data de 1856, quando residiam na localidade 17 indivíduos provenientes da Península Itálica. Sete anos depois, eram 40 famílias italianas que moravam nos arredores da Fazenda Quitandinha e, mais tarde, no Quarteirão Italiano. Dedicavam-se, sobretudo, à extração do carvão vegetal.
Mas foi em 1873 que a presença de italianos na cidade tornou-se mais intensa, devido à fundação da Companhia Petropolitana de Tecidos. Atraídos pela possibilidade de emprego, muitos italianos vieram de outras províncias ou diretamente da Itália para trabalhar na fábrica. A maior parte era oriunda do Vêneto, incluindo um grupo de Lanifício Rossi de Schio, em Vicenza.
Na Itália, os trabalhadores de Lanificio Rossi de Schio que se envolveram em uma greve foram demitidos. Sem conseguir encontrar trabalho decidiram migrar para o Brasil, indo trabalhar na Companhia Petropolitana de Tecidos, que chegou a empregar 1.100 operários, quase todos italianos.
Companhia Petropolitana - Operários da Seção de Tecelagem (Fábrica Velha). Coleção O Operariado do Rio de Janeiro no início do Século XX. Acervo Labhoi/UFF.
Da aldeia de Pescatina, em Verona, vieram 160 famílias de camponeses que não conseguiam mais se sustentar na Itália. Foram contratados pela Fábrica Cometa, fundada em 1903, pelo italiano Carlo Pareto.
Fábrica de Tecidos Cometa. Petrópolis. 1934. Acervo do Museu Imperial. Disponível em: <soupetropolis.com>
Anteriormente, Pareto havia sido proprietário de uma loja que importava tecidos. Em função das restrições à importação, fundou a Fábrica Cometa que chegou a empregar 6 mil operários, quase todos italianos.
Da aldeia de Pescatina veio também o padre Dom Carlo Gallieri. Em Petrópolis o padre tornou-se sócio honorário da Sociedade Operária Italiana de Socorro Mútuo e contribuiu para o funcionamento da escola étnica da comunidade.
Ernesto Baccherini foi um dos operários da Fábrica de Tecido Cometa. Era casado com Elizabeta, que além de dona de casa, produzia massas frescas para Ernesto vender na estação de trem, após o expediente na fábrica. Criaram a Massas Baccherini, uma empresa que funcionou na cidade até o ano de 2011.
Embalagem Baccherini. 1995. Acervo pessoal Mário Luiz Baccherini. Disponível em: <soupetropolis.com>
A comunidade italiana vivia para o trabalho, mas nas horas de folga participavam das festas comemorativas religiosas. O trabalho, a religiosidade e a valorização da família foram, portanto, fundamentais para integração na nova sociedade e também para manter os laços com a Itália.
Para homenagear o povo italiano que tanto contribuiu para o município de Petrópolis é realizada anualmente a Festa Serra Serata que celebra os costumes, a gastronomia, a cultura e a música italiana.
Festa italiana Serra Serata. 2017. Fonte: Comunità Italiana.
MÉDIO PARAÍBA
Em 1874, a imigrante italiana Clementina Tavernari retornou à Módena, na Itália, para recrutar 50 famílias de agricultores a fim de fundar o núcleo colonial Imperatriz Maria Teresa Cristina, na província de Santa Catarina. No entanto, ao desembarcarem na cidade do Rio de Janeiro, em 16 de fevereiro de 1875, os imigrantes italianos foram surpreendidos por uma epidemia de febre amarela e conduzidos para Porto Real, na região do Médio Paraíba. Os italianos decidiram permanecer em Porto Real, onde já havia colonos suíços e franceses produzindo cana-de-açúcar em pequena escala, além de outras culturas baseada na subsistência.